segunda-feira, maio 31, 2010

Maio, mês da poesia. Só porque eu quis, porque sim!

(Way up, Marvão, Março 2010)

A arte da fuga/ I

Sempre lhe é possível
olhar-te de outra forma.
Vê como se inclina,
como toma a pressa de um café
na bancada quase suja,
como corre para teu olhar
na esperança da ignorância.
Quem és tu?
Houve um momento
em que euase estiveste aqui,
quando o sol fez janelas
no reflexo do teu relógio.
Fala devagar.
Pronuncia cada palavra,
ambíguo,
fazendo banalidades
com música de judeu,
fazendo circo, trapézios
no desleixo de teu cabelo.
Ignoras esse que te contempla
no canto do olho, sereno,
enredado no seu novelo,
gato por brincar contigo.

(Pedro Braga Falcão)

sábado, maio 29, 2010

"Procura-se poeta. Trespasso-me."

"A partir de agora, todo o poema que fale de amor, fora.
Todo o poema que não revolucione, fora.
Todo o poema que não ensine, fora.
Todo o poema que não salve vidas, fora.
Todo o poema que não se sobreviva, fora.
Vou deixar um anúncio no jornal:
Procura-se poeta. Trespasso-me."

Diário, Ana Salomé


E eu adequaria isto a pessoas... seria assim que estaria no meu diário. Com a palavra "pessoa" que também começa por P como poema e também tem nome de poeta Pessoa. ;)

sexta-feira, maio 28, 2010

Astrolábio, Diogo Vaz Pinto

Guardei o recibo, que não serve para nada.
Dados impessoais: o nosso subtotal foi 6,35
- pediste uma água mineral, um café
e uma sandes de ovo (em que não tocaste);
pagámos caro por estarmos ali os dois,
na cafetaria do aeroporto com uma hora inteira
só para dizer uma palavra. Tudo
processado por computador, IVA incluído.
Uma operação que teve início precisamente
às 04.55 d madrugada. Agora
temos muito tempo para nos contentarmos
por já não termos que disputar as contas,
tu pagas os teus cafés, e eu sem ti
passo bem sem café.

Boa viagem, Avô Américo!
Saudades de Londres...

quinta-feira, maio 27, 2010

Orquídeas, Luís Filipe Parrado

Foi um erro substituir
por orquídeas
as flores artificiais
no centro da mesa.
Exigem luz, cuidados,
uma humidade temperada.
Bem as conheço:
flores venenosas
donas de uma beleza gratuita.
Às outras bastava passar
o pano do pó às vezes,
nem olhava para elas,
para as suas folhas baças,
para os seus ramos secos de arame;
estas ensinam-me, com esplendor, a tua morte,
a ferida com que o mundo vai acabar.

Eu gosto de orquídeas. Não as sei manter. Não as sei amar.
Mas, às vezes, quase aposto... que elam me conseguem ver. De facto.

terça-feira, maio 25, 2010

As palavras, Rui Miguel Ribeiro

"Escuto só as tuas palavras.
Tenho o presente a partir
da minha fraqueza.
Chega até mim
quem me explica
a luz surda destes dias."



Pelas palavras que as paredes ouvem e nos sussurram.
Pelas palavras fortes que vêm das muralhas. Das minhas e da minha construção.
Por mais uma parede derrubada ou sedimentada. Por mais um projecto de construção que se desconstrói ou se altera nos pormenores, mantendo a essência.

sábado, maio 22, 2010

Uma tarde destas... (The day after)

Nesta desacelaração
espero que os dias corram iguais,
uniformes e sem resistência.
Procuro de cada mistério
entender o mais simples.
Fico pelo que é mais rente,
mais sólido, com menos construção.

Já não chega ter os horários,
as entregas e as rotinas,
para aceitar o ritmo de furo lento
da vida. Mais próximo cresce o detalhe.
É mais precisa a dúvida.

Cai a tarde e a pausa continua
e com ela expira o natural desejo
de um prazer, um apetite pela
diagonal de luz que vai dividindo
o espaço, a marca invisível
que fica de mais um dia.

(A tarde, Rui Miguel Ribeiro)

Ao novo começo ou ao novo fim.
Uma página virada ou capítulo encerrado.
Palavras tão próprias que as tenho como minhas. E tão do outro que as escreveu, que me conforta sentir o que já foi sentido.

Numa tarde destas em que celebro uma história de amor, a da Vanessa e JP, que me faz esquecer as rupturas e pensar nas oportunidades. Na desacelaração para entrar noutra faixa de rodagem...

Os dias correm iguais.

quarta-feira, maio 19, 2010

Ausência, no teu aniversário...

Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero,
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

(Sophia de Mello Breyner Andersen)

à tua parede que contém este poema
ao teu rosto em que pensei antes de representá-lo
à sessão de poesia
ao mundo em poesia que nos rodeia
à forma de nos tornar perto
ao teu expressar mais poético
à tua veia artística
ao calor da noite
à poetisa Sophia de Mello Breyner Andersen
ao insólito inesperado
à corrida no final para te beijar...

(Raios, mas não percebes que ao fazeres 28, me aproximas a mim da data? :))

segunda-feira, maio 17, 2010

encosto a face à parede
mais triste do quarto, fiel
guardiã do sol posto.

o coração que me deixaste
é uma casa difícil de habitar.

(Renata Correia Botelho)

sexta-feira, maio 14, 2010

Intimidade, Luís Serra

Fogueira acesa
num imenso lugar comum.
É quase de noite.

domingo, maio 09, 2010

Depois do amor

De mais nada posso falar:
só deste cheiro a fruta espessa, crua,
que de ti me fica nos dedos,
na polpa, entre a pele e as unhas,
mesmo depois do sabonete e da água correcta.

(Luís Filipe Parrado)

sexta-feira, maio 07, 2010

"Sonho americano"

O meu bisavô queria apenas passar por Portugal
e depois atravessar o Atlântico.
Mas teve de se contentar com chamar América à primeira filha.

(David Teles Pereira)

Ahahahahah...

(Aniversário do avô José Marto)

quarta-feira, maio 05, 2010

à lucidez do vinho vivo...

Os dois bebemos a noite toda, sem parar,
entre conversas, onde nada se dizia
e tudo se calava em gritaria
        sem medo de cantar.

Oh, a minha primeira noite sem dormir!
E vi nascer o dia, à chuva, deslumbrado,
cambaleando em passo lento, enlameado,
        com medo de cair.

Contigo contemplei, em tom profundo,
a cor da lucidez do vinho vivo,
vagabundagem com som próprio e sentido,
       até ao fim do mundo!

(António Barahona)

domingo, maio 02, 2010

Emoções 2009 de A. M. Pires Cabral

A Andorinha ou Tudo é relativo

Da andorinha dificilmente se dirá
que é um animal feroz. Pelo contrário,
convêm-lhe adjectivos como grácil.

Mas a grácil andorinha abre
para o mosquito uma boca aterradora.

=)

Degradação

Toda a gente foi domingo
alguma vez.

Depois nas fezes aparecem
sinais de sangue, ou na urina.
Declaram-se abcessos,
coágulos, tumores.

Passam então a ser uma sombria,
pesada, instransitiva
segunda-feira.

:S

Velha entrevada

Aquele que não conhece a doença
nem o progresso nem o desfecho dela
mal saberá que mal alumiado
poço de angústias é uma velha entrevada
disposta em cama de palha
que não lhe retarda - antes fomenta -
a podridão,

na esperança e no terror
de que tudo acabe em breve

=(

Perguntas

Tenho sempre, na algibeira da noite,
algumas vigorosas perguntas de reserva,
prontas a disparar em legítima defesa
contra o negrume.

Algumas são pequeninas, vulgares
aspectos de pormenor.
Outras, pelo contrário, são enormes,
desabridas como a boca dum forno -
do género porque é que deste quatro,
e não seis, ou oito, pernas à rã.

Hoje ocorre-me fazer a menor de todas:
se foste tu que fabricaste o tempo
e a ele nos acorrentaste?
e com que barro? e com que raio?
de segunda intenção?

Se é que não foi apenas por descuido.
Ou até casualmente, como acontece às vezes
ao cientista que faz experiências
e acaba por descobrir seja o que for.

=D