Deve ter havido uma altura em que ele olhou o vento que agitava as areias, lá para os lados da Galileia, e perguntou a si próprio onde estaria a resposta certa. Dormia nessa derradeira noite, e sombras furtivas agitavam-se por entre as oliveiras nocturnas, enquanto ele lembrava antigas leituras, outras certezas, outros rumos para fazer o Caminho. Sonhava, é certo, mas não podem os sonhos fazer parte, também, dos nosso anseios e das respostas às perguntas que fazemos? Sonhava, ou seria ele parte de um outro sonho alheio?
De qualquer modo, os sonhos fornecem o privilégio de nos levar aos lugares da memória e dos instantes. Os mais improváveis e os mais distantes. Atravessam-nos com rascunhos do passado e do futuro, e omitem o presente, pois o presente não existe.
Está a suar. O medo e angústia têm destas coisas. E sente-se igualmente magoado de dúvidas: será o homem de amanhã diferente e melhor que o de hoje? Valerá a pena aquela dor e esta angústia? Mas pode um homem voltar atrás, arrepender-se do caminho já percorrido? Não tem um homem direito a reinvindicar-se perante o próprio tempo? A redimir-se? A salvar-se das circunstâncias que se impõe à sua própria vida?
No interior do sonho, acorda. Senta-se na cama assustado. Abre os olhos e, aos poucos, a luz do luar permite-lhe olhar para a rua. Para os contornos das casas, para as sombras das paredes e dos telhados. Não havia vento; somente um leve e quase mudo rumorejar nas folhas das oliveiras. Dirige-se para a porta de casa como se uma força irresistível o chamasse, como se alguém lá fora dissesse o seu nome. Abriu a porta... Nada... Apenas silêncio.
A noite estava calma. Serena, mesmo. Aproxima-se de um monte de oliveiras, onde a lua espalha as sombras das oliveiras e dos seus ramos, como se de braços se tratassem. Mais perto, agora, percebe uma silhueta em posição sentada, em silencioso sossego, como se respirasse apenas o próprio ar. Olham-se em tranquila quietude. Quase não precisam de falar, pois se ele é o homem das palavras, o outro é o do silêncio: silêncio e palavras que mais são se não as duas mãos da poesia? A sua voz.
- Devo dizer-te que hão-de passar ainda muitos anos até que tu existas e a minha vida tenha já passado.
-Queres dizer que estou a sonhar, não é? Bem me parecia...
- Um homem é o seu próprio sonho...
- Mas esse sonho, de que falas, é tão íntimo e tão dentro de cada um, que acaba por ser um segredo.
- A esse segredo, a esse pedaço de indizível, prefiro eu chamar silêncio.
Estão agora ambos de pé. Afinal, já se conhecem há muito tempo. Caminham lentamente por entre as sombras lunares das oliveiras. Uma brisa leve sopra, prenúncio de algo que ainda não é. Mas o tempo... que é feito do tempo? Será possível tirar a seta ao tempo, virar-lhe as costas?
"Alguém que tu conheces", Carlos Lopes Pires
Cheira-me a folar... Feliz Páscoa :)
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