Enquanto a inspiração não vem,
enquanto sou eu e as minhas tardes,
enquanto não escrevo tudo o que consigo reunir nos pensamentos de um dia, hora, minuto,
enquanto não ordeno pensares desordenados,
enquanto não brinco com as palavras, conceitos,
enquanto estas pequenas poesias me invadem e encaixam e revolvem,
enquanto a inspiração vem ou precisa de ser acordada do seu sono belo e fingido de quem não repara que precisa de ser trabalhada e chamada à honestidade,
e não é
enquanto não escrevo tudo o que vem, porque não se deve, não se pode, não se vá transformar,
fico eu só e as minhas noites,
em que altero horas de dias e dias de horas e calendarizo os meus sentimentos... como se isso pudesse controlar... porque apenas isso pudesse, mas nem isso.
Aparece um belo de Ruy Belo...
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A minha tarde, de Ruy Belo
Disponho do vento disponho do sol disponho da árvore
arranjo pássaros arranjo crianças
tenho mesmo à minha disposição o mar talvez com tudo isto possa formar uma tarde
uma tarde azul e calma onde me possa refugiar
Mas e as ideias as doutrinas e os problemas?
Se nem resolvi ainda o problema da unha do dedo mínimo
como pretender ter resolvido o mínimo problema?
E as ideias que só servem para dividir?
As ideias têm úmeros inúmeros
e é difícil caminhar no meio da multidão
Podia dizer (mas não me deixa descansado): Sou novo.
Tenho por isso a razão pelo meu lado
Deixai os pássaros cantar as crianças brincar
o tempo não urge o coração não arde
Quem sou eu? Eu só e a minha tarde
As crianças com as suas vozes brancas
riscam alegremente o céu azul
passam as aves em seu voo rasante
desde sá de miranda até jorge de sena
E o tempo passa assim. Sou eu e o passado
Era novo. Não tenho a razão pelo meu lado.
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